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NOTÍCIA DO DIA

MATHEUS ROCHA AVALIA A PEÇA DAMA DA NOITE DIRIGIDA POR PACHECO NETO

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DAMAGUSMATHEUS ROCHA faz crítica para Dama da Noite na mostra de teatro e dança do SESC Garanhuns  –  Da excentricidade da vida ou a Dama da Noite sou eu. A correria nos põe em movimento. Factual ou fictício, a gente nunca sabe. Mas as coisas rodam sozinhas em seu eixo ou louquíssimas nos lugares mais inesperados. No meio do barulho silencioso de Garanhuns, com um temível sentimento de esquecimento urgente – o mesmo que só dá trégua durante o Festival de Inverno – e um deserto humano quase incompatibilizado, a roda parece ganhar cada vez mais força.

Os acordos implícitos permanecem implícitos, os explícitos vez ou outra se escondem. E a roda continua. A roda é o centro. Fora da roda, fora da época de se estar ‘fora da roda’, uns poucos. Pouquíssimos, que se arriscam voluntariamente à sair de casa para acompanhar algum acontecimento. E quando, fora da roda, aparece um espetáculo como ‘Dama da noite’, o que pode acontecer? Claro: quem está dentro da roda quer engoli-lo para dentro. Era noite de casa cheia.

Ônibus escolares vomitando estudantes aos montes – minha primeira pergunta era se todo aquele pessoal queria estar ali, ou veio obrigado. A roda se movimentando, e eles no movimento da roda, sem nem saber que estão na roda. E muita gente que soube do espetáculo na divulgação em rede social, ou boca a boca. Teatro lotado. Era hora de ela subir no palco. E quando a dama sobe, só tem ela. Não pelo monólogo, mas pela atenção. Pela excentricidade da dama. Ex-centricidade. Sim, já fora da roda.

Pra quem não conhecia o texto do Caio Fernando Abreu, ou quem conhecia só pelos recortes de autoajuda que mutilam sua literatura em tempos de facebook, não tinha melhor apresentação. E o Caio parecia estar ali, do meu lado, na primeira fila. Maravilhado. A sensibilidade da direção de Pacheco Neto saltava aos olhos. Só quem conhece verdadeiramente o texto, quem vive e revive o conto do Caio poderia transpô-lo para os palcos com tanta sensibilidade e amor.

Pacheco entrega ao público mais do que a transposição de duas linguagens distintas: entrega uma obra de arte, naquilo que ela tem de criação – desestabiliza o boy que ouve a plateia, corrói aos poucos o centro subjetivo no qual estamos inseridos. O texto do Caio aliado à sensibilidade de Pacheco denuncia a precariedade da nossa experiência de vida. A dama da noite encarnada por Marcelo Francisco nunca fora tão humana, tão palpável, tão próxima.

As expressões, jeitos, viradas, vozes de Marcelo pareciam ser de alguém que estava ali em carne viva. Como se sentisse tudo aquilo pela primeira vez. A dama debochada, decadente, irônica, devastadora. O ícone do Caio Fernando, luxúria e altivez doloridas a cada palavra, tem em Marcelo uma existência pesada, desterritorializante – como a experiência da leitura. A direção musical, pensada por Alexandre Revoredo, foi um verdadeiro show à parte. As músicas, para além da própria dama, traziam todo o exagero do Caio Fernando para os palcos.

Ele ficaria encantadíssimo vendo suas musas inseridas num texto seu – ele mesmo fazia isso. As músicas iam deslizando pelo corpo da dama. ‘Fracasso’ de Dalva, saudosa Dalva, na voz da dama, rasgou o tecido do sentimento. Aquele tecido garanhuense que nos faz frios, quentes só por dentro, intocáveis. Era inevitável não ser tocado pelas músicas, pelo espetáculo. A ‘dama da noite’ se fundiu com cada pessoa. Vai ser acompanhada todo dia, no meio da correria, até por quem vive a roda.

Vai ficar aquela sensação, aquela lembrança da ‘coroa porra-louca’ que falou sobre vida, morte, sexo, drogas e tanta coisa mais, em algum momento da vida. Vai se desvanecer a imagem, um dia talvez. Mas nunca o afeto.

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